O objetivo deste post não é substituir nenhum dos milhares de posts, livros e manuais com a mesma temática, alguns melhores outros priores, disponíveis por aí. Muito pelo contrário. Se você preferir utilizar as ideias aqui apresentadas em parceria com outros estudos e fórmulas de outros autores, as chances de obter bons resultados são ainda maiores.
E é por isso que vou recomendar uma leitura complementar de dois livros que foram muito importantes no processo de concepção deste livro, que você tem agora nas mãos. Tratam-se de O Herói de Mil Faces, de Joseph Campbell e A Jornada do Escritor, de Christopher Vogler. Ambos te acrescentarão conhecimentos ímpares e ajudarão as suas ideias a fluírem com muito mais naturalidade.
E para que você se familiarize com as ideias apresentadas nestes livros, principalmente em A Jornada do Escritor, darei alguns exemplos baseados nas ideias de Vogler e na sua famosa adaptação da Jornada do Herói.
Os Três Atos da História
De forma geral, assim como na vida real, as histórias se dividem em Três Atos. Começo, Meio e Fim. É importantíssimo que você defina estes três pontos em suas histórias, mesmo que não as apresente nessa ordem. Muitos livros e filmes se iniciam com o Terceiro Ato, mostrando a conclusão parcial da história, para depois voltar ao início e explicar que atitudes dos personagens levaram a história a terminar daquela maneira.
Tenha em mente que, se quiser produzir uma história assim, talvez seja melhor escreve-la inteira, de forma linear e na linha cronológica real. Quando estiver tudo pronto e não houverem mais pontas soltas, organize tudo da forma que mais lhe agradar. Mas lembre-se sempre: A história também precisa fazer sentido para o leitor, não apenas para você.
Segundo Vogler, alguns itens chave compõem os Três Atos de uma história. Ainda que você decida não utilizar todos estes elementos, um bom estudo de suas peculiaridades pode ajuda-lo sempre que estiver com dúvidas.
Primeiro Ato
Mundo Comum
Chamado à Aventura
Recusa do Chamado
Encontro com o mentor
Travessia do primeiro limiar
Segundo Ato
Testes, aliados e inimigos
Aproximação da Caverna Oculta
Provação
Recompensa
Terceiro Ato
Caminho de volta
Ressurreição
Retorno com o Elixir
Vamos analisar mais a fundo cada um dos passos da Jornada do Herói. Vale lembrar que o herói aqui citado é o protagonista da história, e que ele não precisa ser necessariamente um herói. Utilizarei essa palavra unicamente para facilitar o entendimento com relação ao método. E para facilitar ainda mais esse entendimento, ilustrarei os tópicos com exemplos do livro O Hobbit.
1. Mundo Comum
A maioria das histórias transporta o herói para longe de seu mundo. Isso cria boas tramas e adiciona mais profundidade as cenas, pois existe no personagem a vontade genuína de proteger o seu lar e, acima de tudo, voltar para ele. Mas, para mostrar o herói fora desse mundo que ele tanto ama (pode ser seu planeta, seu país, sua cidade, sua casa e até mesmo sua mente), primeiro você precisa mostrá-lo nesse mundo. Com isso, você cria um contraste nítido entre os dois mundos, fazendo com que o leitor sinta vontade de ajudar o herói a voltar para aquele mundo comum.
Ex.: Primeiro vemos Bilbo Bolseiro no condado, feliz por fumar seu cachimbo em sua agradável toca, naquele Mundo Comum onde nada de assustador acontecia.
2. Chamado à Aventura
Surge o problema. Se vendo de frente com esse Chamado à Aventura, o herói já não pode mais permanecer no conforto de seu Mundo Comum. O Chamado à Aventura estabelece o objetivo da história, e deixa claro qual é o objetivo do herói.
Ex.: Bilbo recebe a visita do mago Gandalf, que o convida para uma aventura com mais 13 anões.
3. Recusa do Chamado
Em praticamente todas as histórias, o herói recusa o chamado. Ele hesita, tocado por vários motivos. Baixa autoestima, medo do desconhecido ou simplesmente vontade de continuar onde está, desfrutando da vida que sempre levou. Ele se vê diante do maior dos medos — o terror do desconhecido. É necessário que surja alguma outra motivação para que ele vença esse medo e decida seguir em frente.
Ex.: Bilbo não quer abandonar o condado e suas coisas simples. Ele não se considera um aventureiro e acha que aventuras não são coisas normais de hobbits.
4. Encontro com o Mentor
Nessa hora surge o mentor. Este personagem, que pode até já ter aparecido antes, é responsável por convencer o personagem a seguir em frente. Pode ser um professor que motiva o aluno a superá-lo, um parente que sempre serviu de inspiração ou literalmente um mentor, que treinou o herói ao longo de toda a vida. O mentor seguirá rumo ao desconhecido com o herói, porém, só poderá ir até um certo ponto. A partir daí, o herói deve ir sozinho, pois aquele é o seu destino.
Ex.: Bilbo se vê triste por não partir e, motivado por Gandalf, decide seguir os anões.
5. Travessia do Primeiro Limiar
O herói se compromete com sua aventura e entra completamente no novo mundo. Dispõe-se a enfrentar as consequências de lidar com o problema ou o desafio apresentado pelo Chamado à Aventura. Este é o momento em que a história decola e a aventura realmente se inicia. O balão sobe, o navio faz-se ao mar, o romance começa, o avião levanta vôo, a espaçonave é lançada, o trem parte.
Ex.: Bilbo assina o contrato, sobe no pônei e segue em frente, sem olhar para trás.
6. Testes, Aliados e Inimigos
Após ultrapassar o Primeiro Limiar, o herói se vê num mundo estranho e desconhecido. É natural que encontre muitos desafios e testes nesse mundo. E ele também irá conhecer seus aliados e seus inimigos e, com isso, aprenderá as regras e nuances do seu novo mundo. Muitas histórias usam esse momento para apresentar ao herói o seu par romântico que, talvez, só será finalmente conquistado no último ato.
Ex.: Bilbo conhece mais a fundo cada um dos anões e passa a entender melhor cada um deles. Ele aprende mais sobre o dragão Smaug e sobre a Montanha Solitária. Nesse meio tempo, eles enfrentam trolls, lobos, orcs e aranhas.
7. Aproximação da Caverna Oculta
Finalmente, o herói chega à fronteira de um lugar perigoso, às vezes subterrâneo e profundo, onde está escondido o objeto de sua busca. Este local pode ser, literalmente, uma caverna, mas também pode ser a sede da bolsa de valores, uma escola comandada por um diretor tirano, uma academia de caratê e uma infinidade de outros lugares. Quando o herói entra nesse lugar temível, atravessa o segundo grande limiar. Muitas vezes, os heróis permanecem por algum tempo diante do portão para se preparar, planejar e enganar os guardas do vilão.
Ex.: Bilbo e os anões chegam na Montanha Solitária e encontram a passagem escondida.
8. A Provação
O herói enfrenta o vilão, num confronto direto com seus maiores medos. Ele enfrenta a possibilidade da morte e é levado ao extremo numa batalha contra uma força hostil. Esse é um dos momentos mais importantes e é onde o leitor irá dispensar uma maior atenção. Sempre deve existir a tensão sobre o herói. Será que ele sobrevive ou morre? Todo clima construído ao longo do livro será concluído nesse momento. Também pode haver o chamado Plot Twist, que é quando a história desencadeia um novo ato totalmente inesperado, como por exemplo, o vilão ser o pai do herói ou não ser mal de verdade. Isso pode gerar uma volta para a entrada da Caverna Oculta. Acontece muito em séries de livros.
Ex.: Bilbo enfrenta Smaug, que vai para a cidade. Na cidade ele é morto, não por Bilbo, mas por Bard, um antigo herói.
9. Recompensa (Apanhando a Espada)
Após sobreviver à morte, tanto o herói quanto o leitor têm motivos para celebrar. Nesse momento, o herói pode se apossar do tesouro então guardado pelo vilão. Pode ser uma arma mágica ou um elixir que irá curar suas feridas. Também pode ser visto como o conhecimento e a experiência que conduzem a uma compreensão maior e a uma reconciliação com as forças hostis. E pode ser simplesmente a aceitação do seu par romântico. O primeiro beijo do casal pode surgir nesse momento.
Ex.: O dragão está morto, e Bilbo tem direito a parte do seu ouro. Ao mesmo tempo, ele aprendeu muito nessa viagem e agora sabe que é um aventureiro de verdade.
10. Caminho de Volta
Com seu tesouro em mãos, finalmente o herói pode voltar para casa. Muitas vezes, ele se recusa a partir, acreditando que encontrou um novo lar. Mas, ainda que realmente vá ficar no seu novo mundo, ele volta para casa para finalizar suas pendências. Muitas histórias usam esta parte da trama para finalizar violões coadjuvantes em grandes cenas de perseguição. Essa fase marca a decisão de voltar ao Mundo Comum. O herói compreende que, em algum momento, vai ter que deixar para trás o novo mundo, e que ainda há perigos, tentações e testes à sua frente.
Ex.: Surge Bard requisitando o ouro do dragão. Logo após ele, surgem muitos orcs e elfos e uma guerra se inicia. Novamente, Bilbo se vê diante da Caverna Oculta.
11. Ressurreição
O herói, que esteve no reino dos mortos, deve renascer depois de uma última Provação de morte e Ressurreição, antes de voltar ao Mundo Comum. O mal faz um último esforço desesperado, antes de ser finalmente derrotado. O herói se transforma, graças a esses momentos de morte-e-renascimento, e assim pode voltar à vida comum como um novo ser, com um novo entendimento.
Ex.: Após a longa guerra, em que homens, anões e elfos se unem contra os orcs, Bilbo se vê diante de Thorin, que está prestes a morrer. O dois finalmente se entendem e Bilbo renasce, como um novo homem. Um aventureiro.
12. Retorno com o Elixir
O herói retorna ao Mundo Comum e, consigo, traz uma grande recompensa. Pode ser um tesouro ou, simplesmente, um ensinamento que, algum dia, poderá ser útil à sua comunidade. Também pode ser o amor, a liberdade, a sabedoria, ou o conhecimento de que o Mundo Especial existe, mas que se pode sobreviver a ele. Outras vezes, o Elixir é apenas uma volta para casa, com uma boa história para contar. E, a não ser que conquiste alguma coisa na provação que enfrenta na Caverna Oculta, o herói está fadado a repetir a aventura. Muitas comédias usam esse final, quando um personagem se recusa a aprender sua lição e embarca na mesma bobagem que o meteu em trapalhadas antes.
Ex.: Bilbo retorna ao Condado com alguns baús de ouro, uma boa história e muita vontade de reencontrar Gandalf e seus amigos anões. Ele quer mais aventuras.
Lembre-se que estes itens têm como único objetivo fornecer uma fonte de estudos e consulta, não devendo ser seguidos à risca sempre. Cabe ao autor decidir se eles poderão acrescentar algo na história ou se devem ser descartados. E, assim como Vogler alterou a fórmula original de Campbell para escrever seu livro, agora cabe a você alterá-la para criar suas histórias.