Bons diálogos podem salvar qualquer obra. Você pode duvidar de tudo o que eu já disse até hoje, mas não duvide disso. Afinal, mesmo que você seja o mestre das descrições, mesmo que construa uma trama complexa e cheia de personagens interessantes, se seus diálogos forem fracos ou artificiais, ninguém sentirá empatia pela sua obra.
É óbvio que bons autores podem criar histórias primorosas sem uma única linha de diálogo, mas achar que você é um deles em seu primeiro livro (além de arrogante) é um tanto quanto arriscado. Escrever exige prática. É um jogo, com muitas tentativas e muitos – muitos mesmo – erros.
É importante saber que um diálogo é muito mais do que as palavras que saem das bocas dos personagens. Muitas vezes, cabe ao diálogo a dificílima missão de contar a história principal, para que o autor possa fugir de descrições monótonas ou repetitivas. Se você desempenhar essa missão de uma forma responsável, seus leitores não só amarão sua história, como acreditarão que seus personagens são pessoas reais, de carne e osso.
Um diálogo não é uma conversa
A primeira coisa que você precisa saber sobre diálogos é que eles não são uma conversa tradicional, como a que estamos acostumados a ter. Em uma conversa rotineira, sempre começamos com frases despretensiosas, como “oi, tudo bem?” ou “como vai a família?”. Fazemos isso porque não queremos começar de forma seca ou apática.
Mas o tempo do leitor é precioso e você não pode gastá-lo com futilidades. A menos que isso seja essencial para a história ou para a construção do personagem, é claro.
Outro ponto a se considerar é que, em uma conversa, tendemos a errar, esquecer palavras e perder tempo com mudanças de assunto ou devaneios. Em um diálogo, por outro lado, isso também não deve acontecer. Você precisa ser direto ao ponto. Novamente, a menos que isso seja essencial para a história ou para a construção do personagem, é claro.
Dica rápida: muitas vezes, um personagem precisa contar para outro alguma coisa que você já mostrou anteriormente. Nesses casos, não tome o tempo do leitor mostrando toda a explicação. É uma repetição desnecessária. Uma boa técnica é colocar essa explicação no final do capítulo. O personagem pode dizer algo como: “você precisa saber da verdade”. Então o capítulo acaba. Quando o próximo começa, aquele personagem que ouviria a explicação já está por dentro de tudo. Essa é uma técnica simples, mas que evita repetições e mantém a atenção do leitor.
Mantenha os personagens em movimento
Aqui vai mais uma das dicas que aprendi no Masterclass do Dan Brown, mas que outros autores também costumam dizer: mantenha seus personagens em movimento enquanto o diálogo acontece.
Personagens sentados em uma mesa, estáticos, são sempre a pior maneira de realizar um diálogo. Eles também dificultarão o seu trabalho de deixar a história interessante. Resumindo, personagens não podem ser apenas cabeças falantes.
Por isso, facilite as coisas para você mesmo e para o seu leitor, dando alguma coisa para os seus personagens fazerem enquanto eles conversam. Essa atividade, aliada com a forma como o personagem fala, pode ajudar o leitor a entender mais sobre as personalidades das pessoas envolvidas no diálogo.
Filmes realizam esta tarefa muito bem. Tente reparar nisso na próxima vez em que for assistir um filme: sempre que há um grande diálogo, os personagens andam de um lugar para o outro. No mínimo, realizam outras ações, como pegar livros em estantes, analisam quadros nas paredes ou qualquer coisa simples. Eles nunca estão parados, um olhando para a cara do outro.
Você também pode incluir detalhes sensoriais, mostrando a forma como o personagem reage ou o que ele pensa sobre algumas frases. Isso requer um pouco de cuidado, é claro, para que não soe repetitivo ou artificial. Mas esse é o tipo de coisa que só a prática pode te preparar para fazer.
Um bom diálogo precisa cumprir algumas funções, como fornecer informações básicas da história, avançar na trama, criar suspense, intensificar o conflito e muitos outros. Obviamente, um único diálogo não precisa conter todas estas funções ao mesmo tempo. Porém, se não realizar ao menos uma, poderá soar vazio.
01 – Fornecer informações básicas
Quando você precisa apresentar fatos passados ou contextos da sua trama, pode usar um personagem para cumprir esta tarefa através de um diálogo. Dessa forma, as informações serão apresentadas com fluidez e sem marasmo.
Esse recurso também pode ser útil quando você precisa dar um lado para a história, porque o personagem pode reagir mostrando suas opiniões e a forma como ele enxerga todos aqueles acontecimentos. Esse recurso é muito utilizado em filmes também, e quase sempre funciona.
Porém, é fundamental entender que as frases precisam soar naturais ao mesmo tempo em que são informativas. Seus personagens não podem se comportar com enciclopédias ambulantes, conhecendo todos os detalhes, todas as datas e todos os fatos de cor. Isso pode soar inverossímil. Tente alternar entre informações precisas e fatos onde o próprio personagem diz que precisa consultar uma fonte.
02 – Caracterizar o persoangem
Outra utilidade fantástica do diálogo é caracterizar os personagens. Isso porque uma única linha de fala pode ser uma ótima maneira de revelar como o seu personagem age e como ele pensa em relação ao mundo ou a um determinado assunto. Para ter um exemplo disso, basta assistir os minutos iniciais de “O Poderoso Chefão”, do diretor Francis Ford Coppola.
Logo nos primeiros trechos da fala de Don Corleone, o roteirista Mario Puzo (que também escreveu o livro que deu origem ao filme) já nos faz entender quem é aquele personagem. Então já começamos o filme sabendo que ele tem um grande apego pela família, bem como muita influência em todos os meios e poder. Ele também é justo, embora seja um criminoso.
É por isso que, sempre que possível, você deve criar padrões de fala diferente para todos os personagens. Exatamente como na vida real, alguns personagens podem utilizar gírias e expressões idiomáticas, enquanto outros podem ser sérios e cultos. Algum pode ter algum bordão que repete a exaustão, enquanto outro pode ser de poucas palavras, mas que soa sempre cirúrgico, quando decide falar.
Confira os exemplos abaixo e note como cada um deles mostra uma personalidade diferente, mesmo dizendo a mesma coisa:
- Personagem 1 – Você pode me fazer um sanduíche?
- Personagem 2 – Levanta essa bunda gorda do sofá e me traga a porra do sanduíche!
- Personagem 3 – Seria ótimo comer um sanduíche daqueles que só você sabe fazer…
Conseguiu perceber a diferença?
03 – Criar suspense
O diálogo também é uma ótima maneira de antever o perigo, dando pequenas dicas da história, que farão o seu leitor questionar a trama, tentar adivinhar os próximos passos e, acima de tudo, se preocupar com o futuro dos personagens. Isso cria um clima de suspense.
Um ótimo exemplo ocorre no filme “Psicose”, do diretor Alfred Hitchcock. Quando Marion Crane, a personagem de Janet Leigh, chega no Motel Bates, ela ouve uma discussão terrível entre Norman Bates e sua mãe. Momentos depois, Norman afirma que sua mãe é tão inofensiva quanto os pássaros empalhados que estão no lugar.
É impossível assistir essa cena sem ficar tenso, porque até mesmo os pássaros empalhados causam pavor. E tom usado por Norman Bates é carregado de mistério. Isso faz com que fiquemos ainda mais presos ao assento.
Você pode usar esta técnica quando a sua história estiver parada e sem tensão, mas também não deve abusar e desperdiçar em eventos sem importância, porque o leitor vai sacar. Se isso acontecer, de duas uma: ou ele para de acreditar na trama ou acaba abandonando o livro por completo.
04 – Fazer a trama avançar
O diálogo ideia sempre deve produzir algum efeito prático na trama, levando o personagem para mais perto – ou mais longe – do seu objetivo principal. Conversas sem objetivo até acontecem na vida real, mas são chatas e desinteressantes demais para ganhar lugar em seu livro.
Um diálogo bem feito e colocado no momento certo pode trazer informações que alteram a dinâmica da histórica de uma maneira dramática e irreversível.
Para citar Dan Brown mais uma vez, todos os seus livros que tem Robert Langdon como protagonista usam o conhecimento do professor de iconografia religiosa e simbologia da Universidade Harvard como forma de avançar a trama. Isso ocorre por meio de diálogos repletos de informações valiosas para a trama.
É óbvio que a ação precisa estar atrelada aos diálogos para que tudo funcione de forma eficiente. Lembre-se do que eu já disse antes.
05 – Intensificar o conflito
Histórias sem conflitos não funcionam. O ideal, na verdade, é que o conflito se torne cada vez mais intenso, até chegar o momento em que o leitor não consegue mais imaginar como as coisas podem se resolver. E não importa se o conflito é externo (personagem x personagem ou personagem x ambiente) ou interno (personagem x sua mente). O diálogo sempre pode deixar as coisas mais interessantes.
Isso pode ocorrer de várias maneiras: discordâncias, ameaças, mentiras, ofensas e insultos são apenas alguns exemplos. Ainda assim, é fundamental que você não transforme o diálogo em uma especie de cabo de guerra, onde um puxa de um lado e outro puxa do outro.
Sabe aquelas histórias em que um personagem recebe uma mensagem de um aliando pedindo que ele faça alguma coisa? Então ele acata e realiza a ação. Algum tempo depois, quando conversa com aquele aliado, ele descobre que havia sido enganado e que o aliado não havia mensagem alguma. Nesse momento, a história fica ainda mais tensa, porque sabemos que alguma terrível coisa vai acontecer. O diálogo cumpriu seu papel de intensificar o conflito.
06 – Reforce a atmosfera da trama
Em determinado trecho de “O Retorno do Rei”, a terceira parte de “O Senhor dos Anéis”, Sam olha para o céu e diz que eles dormiram demais, que precisam partir. Frodo responde que ainda não é meio-dia e que os dias estão mais escuros.
Esse diálogo apresenta a atmosfera da história. As coisas estão tão ruins, o poder do mal está tão forte, que até os dias estão se tornando mais escuros, a ponto de a manhã mais parecer o entardecer. Tolkien poderia ter descrito as nuvens negras e atmosfera fria, mas preferiu transferir essa responsabilidade para os hobbits. Deu certo.
Conclusão
Eu sou apaixonado por diálogos. Sempre fui e, quando comecei a escrever minhas próprias histórias, fiquei ainda mais. Os principais motivos são esses que apresentei neste artigo, mas há muitos outros, que abordarei no futuro.
Por enquanto, espero que você esteja gostando do conteúdo e que possa melhorar seus diálogos como as dicas que apresentei. Com isso seus personagens se tornarão mais verdadeiros e, consequentemente, seus leitores se tornarão mais apaixonados pelos suas histórias.
Então é isso aí. Obrigado pela visita e boa escrita. 😀